A insustentável leveza do Estado
Em visita à CERCITOP, sediada em Mem Martins, o presidente do CDS-PP, eu própria e vários membros da Comissão Política Concelhia e autarcas de Sintra, tivemos oportunidade de tomar conhecimento sobre a situação crítica em que estas Instituições de Solidariedade Social se encontram, no que diz respeito, nomeadamente, à área da Saúde e aos Cuidados Continuados. O presidente da Instituição, José Bourdain, traçou um panorama de grande fragilidade financeira das Unidades que integram a Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados (RNCCI), a par da imposição do Estado sobre o internamento nas mesmas.
Fragilidade que se traduz na falta de financiamento adequado para estas respostas, face à evolução de custos, os quais têm vindo, ano após ano, a asfixiar as Instituições e a colocar em causa a sua sustentabilidade. Tal reflete-se mesmo no encerramento de camas por parte de algumas Instituições, para não colocar em causa as restantes respostas sociais, ou mesmo na falência. A sustentabilidade é um problema para o qual temos de olhar de forma séria.
O aumento do salário mínimo (sem sombra de dúvida justo para quem diariamente presta estes serviços de apoio ao próximo), a exigência de rácio de recursos humanos e a total falta de apoio durante a pandemia, têm sido fatores de grande instabilidade e precariedade para o sector. Soma-se a esta circunstância o aumento exponencial dos custos com energia e gás. A eletricidade aumentou o quádruplo e o gás seis vezes mais, face aos valores praticados em Abril de 2022. Recorde-se que o Governo criou programas de apoio para estas matérias, mas a área social pouco beneficiou dos mesmos. E não podemos ignorar a inflação galopante, fruto dos contextos externos, mas que são um peso nas contas das Instituições. Isto, a par do não cumprimento, ou cumprimento muito abaixo do acordado dos valores de referência, nos sucessivos Compromissos de Cooperação com o sector social. Sem as contrapartidas do Estado, para que as Instituições se substituam ao mesmo nas respostas desta tipologia à população, o normal funcionamento destas é colocado em causa.
Desde a sua criação, as Unidades de Cuidados Continuados são suportadas por um modelo de financiamento que obedece à afetação de verbas de várias origens, desde os utentes, aos ministérios do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social e ao ministério da Saúde. Porém, este último não tem cumprido com este compromisso, inclusivamente no pagamento atempado de outras verbas, como sejam as de úlceras de pressão, tratamento de elevado custo diário. Recorrendo a expedientes legais, o Governo publica uma portaria para atualização de preços, a qual é, de seguida, suspensa por novo diploma legal. Tal facto provoca instabilidade e incerteza, como é fácil concluir.
Já quanto ao funcionamento, a intervenção do Estado tem vindo, também, a colocar em causa os principais objetivos das Unidades de Cuidados Continuados. Muitas destas unidades, integradas na Rede, têm um modelo de intervenção integrado entre a Saúde e a Solidariedade e Segurança Social, para apoio no âmbito dos Cuidados de Média e Longa Duração, Paliativos e Convalescença. Estes cuidados devem promover a qualidade dos serviços, porém, o que se verifica muitas vezes é que o Estado referencia para estas Unidades doentes que não têm critérios de admissão nas mesmas, dado que necessitam de cuidados hospitalares de saúde e não de recuperação, transformando as UCC em hospitais de retaguarda e diminuindo as funções para que foram criadas. Esta é uma forma encapotada de o Ministério da Saúde “resolver” a capacidade de internamento dos hospitais, nomeadamente com doentes com úlceras de pressão, à custa de um serviço menos adequado à necessidade dos utentes que, privados de camas, vêem a sua capacidade de reabilitação comprometida.
Torna-se assim urgente que todo o modelo de funcionamento da RNCCI seja reavaliado, e o modelo de financiamento seja revisto, para que esta resposta fundamental possa prosseguir, no apoio aos que dela necessitam e para que não sejam relegados para uma condição de menor dignidade. A vida e a dignidade do ser humano são valores maiores por que temos de lutar diariamente.