Ceramistas de grés: a estilização das formas
No hub criativo Ceres Caldas da Rainha há uma comunidade de ceramistas de grés, uma argila que “resiste bem” a altas temperaturas, desde a conformação até à parte final da cozedura, é “mais espessa” do que a argila líquida, particularmente reconhecida pelos artistas para explorar novas formas e apropriada para trabalhos murais.
Mural de cerâmica de grés na Casa Peixoto em Viana do Castelo. /Direitos reservados
Luíz Pires, artista de cerâmica, tem uma vida dedicada à produção de artigos de cerâmica para todo o país, esteve em Paris onde desenvolveu novas formas de estilização de cerâmica no Museu Picasso, deu formação profissional em Paredes de Coura, trabalhou para o Museu de Santa Tecla, em La Guardia, Espanha. Tem como grandes obras a Cerâmica Mural na Capela de Alvarães e a Cerâmica Mural na Casa Peixoto, ambas em Viana do Castelo, trabalhos em cerâmica de grés.
Com participações em concursos e exposições coletivas e individuais, com destaque para a Bienal de escultura, em Vila Nova de Cerveira, onde recebeu menção honrosa, com a peça Mártir Cerâmica, em 1998.
Participou na exposição Natalidade 2000, no espaço cultural Museu do Traje, em Viana do Castelo, tendo-lhe sido atribuído o 2º prémio. Actualmente, dedica-se à cerâmica de grés de coleção.
É ceramista desde os 14 anos, foi um dos primeiros formandos do curso piloto de cerâmica do CENCAL- Centro de Formação de cerâmica das Caldas -, trabalhou na SECLA, fábrica de cerâmica nas Caldas da Rainha com projeção mundial, uma das principais exportadoras de faiança e empregadoras da região.
O artista recebe-me no seu atelier envidraçado, no hub criativo Ceres Caldas da Rainha, conhecido como silos, neste espaço tem vários trabalhos expostos de cerâmica de grés. “Esta cerâmica de argila só funde a partir dos 1200 graus, resiste bem desde a conformação, até à parte final da cozedura. Uma argila mais espessa do que a argila líquida”, explica. Percebo que é uma argila mais utilizada para peças de ornamentação artística, mais estilizada, e apropriada para ser aplicada em painéis murais.
Luíz Pires no atelier do Hub Criativo Ceres Caldas da Rainha
Desde cedo enveredou pela estilização de trabalhos de cerâmica, modelo concebido para levar o mínimo de moldes possível, enquanto as faianças das Caldas são trabalhos muito elaborados.
Iniciou-se na SECLA como decorador na secção de decoração e vidragem, em 1975. Foi operário na vidração durante 18 anos.
Quando surgiu o Cencal, entro de Formação Profissional para a Indústria Cerâmica, participou no curso piloto, frequentou o curso de desenhador modelador no ano de 1989. Depois de tirar o curso, fizeram-lhe proposta para ser modelador na SECLA, “quando trabalhavam 900 operários”, aprendeu com os mestres de cerâmica Ferreira da Silva, e Nuno Correia. Na época a cerâmica demorava dois dias a cozer, mas com as mudanças tecnológicas a arte cerâmica “evoluiu muito”, quando terminou o curso percebeu que a técnica de trabalho “já era outra”. Surgiram novas formas de modelar, com a simplificação da forma.
Montou a sua oficina por conta própria, na altura vendia-se cerâmica para as boutiques e a seguir surgiram as casas de artesanato, uma fase de grande produção artística, por existir muito turismo nas Caldas. Fazia biblots, com recurso a um estilo “mais artístico” com temas de animais, pequenos bichos. Vendia muita arte cerâmica na cidade e para todo o país, em especial para o Algarve e norte do país.
Começou sozinho a fazer todo o processo, formou uma equipa e ficou liberto para criar e orientar o trabalho. Dava trabalho a 6 pessoas com salários mínimos, produzia 400 peças por mês. Foi um tempo de “azáfama das grandes produções”, chegou a ir a Ceramex, feira de artesanato e cerâmica da FIL- Feira Internacional de Lisboa. Recebia grandes quantidades de encomendas, que recusava por não ter capacidade de resposta. Podia ter montado fábrica, mas não o fez “teve receio, a tendência não era essa”. O mercado estava a mudar, surgiram as galerias de arte, as lojas de artesanato com vista ao turismo, houve declínio no comercio de artesanato, Luiz Pires já não conseguia manter a equipa.
Com a guerra do golfo houve uma quebra de turismo, por isso resolveu fechar a loja e continuar com a oficina. Emigrou para Paris para manter a oficina das Caldas, dedicou-se a trabalhos de trabalhos de cerâmica em miniaturas como rãs, mochos, corujas, gatos, tendo chegado a expor no Museu Picasso.
Voltou a Portugal, em 1995, para dar formação profissional em Paredes de Coura, na EPRAMI - Escola Profissional do Alto Minho Interior, em Viana do Castelo, como formador em áreas de expressão plástica e cerâmica. Aí esteve 20 anos, sentiu “alguma dificuldade” em dar aulas, porque os colegas tinham formação académica que ele não tinha, mas é nas aulas práticas que ganha traquejo na formação profissional.
São Jorge e o Dragão modelados em cerâmica pelas mãos de Luíz Pires.
Estilização de cerâmica
Depois de anos dedicados ao ensino, continuou na escola com um atelier onde fez trabalhos de grande envergadura: um mural de cerâmica na Capela de Alvarães, e um outro mural para a Casa Peixoto. A cerâmica de mural era conformada no chão, gastou mais de 4 000 kls de barro. Uma fase em que fazia também trabalhos de escultura para galerias.
Na fase da olaria “quis perceber o que era” a cerâmica castreja com o mestre Martins Sarmento, logo viu que a cerâmica e a olaria são áreas distintas. “Não queria inovar, queria perceber as formas no sentido do utilitarismo”. Formas que funcionavam muito bem. Continuou a fazer olaria paralela em murais.
Esteve em Espanha em La Guardia, no Monte Santa Tecla, perto de Valencia, e Vila Nova de Cerveira (do lado português), tendo trabalhado para o Museu de Santa Tecla, ali fez peças para turismo a partir dos achados arqueológicos, mas feitos de raiz com alguma modernidade. Voltou para as Caldas há 6 anos, onde tem o seu atelier no hub criativo Ceres Caldas da Rainha onde tem reunido e selecionado toda a experiência de vida, actualmente faz peças em cerâmica de grés, como por exemplo sagradas famílias, e restaura obras, tendo como principais clientes colecionadores de arte.
Vai todos os dias para o atelier de bicicleta, algo raro aos 66 anos de idade, faz uma hora e meia de viagem por dia, entre a Foz de Arelho e as Caldas da Rainha, “o tempo é dilatado, mas vale a pena”, diz-me o ceramista, este exercício físico ajuda-o com as varizes, reconhece que lhe dá bem-estar nesta altura da sua vida.
Modelar a intimidade do artista
Teresa Alves, ceramista.
Teresa Alves, artista cerâmica há 30 anos, procura inspiração no seu trabalho na própria natureza humana, na orgânica da vida. Os seus trabalhos refletem uma visão da estrutura celular, fruto da sua experiência pessoal, levando o público a “um caminho de introspeção e de conhecimento do eu”.
Teve como primeira escolha profissional trabalhar em têxteis, “mas a vida não deixou” seguir essa vertente. Tinha de ir para design, e como “não era boa em química e matemática”, desistiu da ideia, confessa que não comentou “isto com ninguém”, viveu “sozinha” essa dificuldade.
“Mas a vida orientou-me outra vez”, conta Teresa que resolveu estudar matemática à noite para terminar o 12º ano. Fez curso de 2 anos no CENCAL em modelação de cerâmica, e em 1992 fez a primeira exposição na galeria Ogiva com o mestre Ferreira da Silva, expos trabalhos de azulejo com vidrados e não com tinta, num estilo contemporâneo.
Trabalhou como modeladora durante 6 anos, aprendeu a arte cerâmica com o escultor Carlos Oliveira, mas “queria mais”, por isso foi estudar design de cerâmica na ESAD – Escola Superior de Design, nas Caldas. Apesar de ter gostado muito, já “estava à frente na prática de cerâmica”, as aulas teóricas revelaram ser uma mais-valia pela parte conceptual artística.
Quando terminou o curso começou a trabalhar como designer numa empresa de Alcobaça. Tem muitos anos de experiência profissional em cerâmica industrial de modelação, como designer para várias empresas. Enquanto tirou o curso de cerâmica criativa no CENCAL, paralelamente trabalhava noutras áreas para ganhar dinheiro e manter despesas como artista de cerâmica.
Trabalho de Teresa Alves em cerâmica de grés.
Foi convidada para fazer a 1a exposição coletiva em 2009, e foi nessa altura que montou atelier no hub criativo Ceres, desde então participa todos os anos em exposições, individuais ou coletivas, de cerâmica.
A ceramista também trabalha com azulejo industrial com vidrado, outra área que revela gostar muito de trabalhar.
Quando experimentou a cerâmica de grés percebeu que um dia voltaria a trabalhar com esta argila, adequada para trabalhos murais e grandes obras. Uma argila com resistência maior do que a faiança. “Gosto do grés com chamote, partículas de grés cozido e moído que dá uma resistência muito maior e permite ser cozido a altas temperaturas, a trabalhar... é fantástico”, admite.