Direitos Humanos 2022: Entre conquistas importantes e perdas impensáveis



Tendemos a encarar a evolução como uma linha contínua ascendente. Como se tudo o que evolui fluisse, natural e continumente, para melhor. E descansamos, no conforto do determinismo. O significado de “evolução”  não comporta, porém, essa certeza. Traduzindo-se na transformação gradual ao longo de um período ou na nova fase em que entra uma ideia, um sistema ou uma ciência, nada garante que o decurso de tempo sobre a concessão ou conquista de direitos se traduza na solidificação daqueles e na aqui

A linha de evolução dos Direitos Humanos no mundo decai em 2022, num balanço entre conquistas importantes e perdas impensáveis. Pelas conquistas, destaca-se o caminho para a abolição global da pena de morte: Cazaquistão e Papua Nova Guiné aboliram em 2022 e Zâmbia, Malásia e Guiné Equatorial manifestaram essa intenção.  Depois, a descriminalização do aborto até às 24 semanas na Colômbia. E ainda a abolição, em maio, da Lei da sedição na Índia, que proibia qualquer manifestação de descontentamento com o Governo, ao abrigo da qual fora preso Mahatma Ghandi. 

Todavia, 2022 foi o ano em que diversos Estados pulverizaram direitos de minorias religiosas, mulheres, pessoas homossexuais, bissexuais e transgénero: alterações legislativas no Afeganistão, Irão e Indonésia levaram à proibição da educação e do trabalho das mulheres, à criminalização do adultério e da homossexualidade. Foi o ano da morte da jovem curda Mahsa Amini, presa por violar as regras de vestuário islâmicas, e da condenação à morte de vários homens que se manifestaram em defesa das mulheres, como o jogador de futebol Amir Nasr-Azadani. O Mundial de futebol do Catar foi, aliás, um exemplo ilustrativo da predisposição do mundo livre para ceder Direitos Humanos às exigências de um regime opulento-repressivo. A exceção corajosa de alguns atletas, dirigentes e adeptos, que insistiram em registar que a tolerância não é negociável, espalhando arco-íris por bancadas e relvados, deixou ironicamente e para sempre, este certame ligado à luta pelos Direitos Humanos.

Este foi também o ano que viu negados, restringidos ou revogados direitos reprodutivos das mulheres em diversos Estados. Destaco a revogação, em 24 de junho, da histórica decisão Roe v. Wade sobre a interrrupção voluntária da gravidez nos Estados Unidos, retrocesso particularmente significativo porque, ao contrário de outros regimes jurídicos (como o português) se tratava aqui de um direito com proteção constitucional.  2022 deu ainda palco a Andrew Tate, influencer que incorporou na sua voz machismo e misoginia de 5 milhões de seguidores de todo o mundo, instigando homens e rapazes a reclamarem (violentamente, se necessário) uma posição de privilégio que, em seu entender, vem sendo usurpada por mulheres, sobretudo se feministas.

Perceciono evolução, em termos de Direitos Humanos, como um mundo com condições progressivamente mais favoráveis a que cada pessoa possa ser quem é e viver plenamente a sua identidade e a sua sexualidade, adulta e consensual, sem julgamentos, discriminações ou represálias, independentemente do seu sexo, género, nacionalidadre, religião, orientação sexual ou condição económica. Lamentavelmente, 2022 deixa-nos um pouco mais longe disso.


[1] "evolução", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2021.

Comentários

Deixe aqui o seu comentário