Francisco Fonseca, presidente do Grupo Lobo: o Lobo Ibérico “continua em perigo porque a perseguição continua a existir”

O Grupo Lobo surge em 1985 para recolher e partilhar informação sobre este predador e, assim, combater a ideia preconcebida de que se trata de um animal demoníaco e potencialmente agressivo. Ajudou no desenho da Lei n.º 90/88 de 13 de agosto, conferindo ao lobo o estatuto de espécie estritamente protegida. Em conversa com a TejoMag, o Presidente da Associação fala-nos sobre a situação atual do Lobo Ibérico em Portugal.


Lobo Ibérico no Centro de Recuperação do Lobo Ibérico (CRLI). /SABINE GIRARD


Francisco Petrucci Fonseca é natural da Covilhã, local onde viu pela primeira vez um lobo. Desde então, o fascínio por este animal, exponenciado pelas leituras de Jack London e Aquilino Ribeiro, tem influenciado o seu percurso. Licenciou-se em Biologia e, ao aceitar um estágio de investigação sobre a ecologia do lobo, deu início a uma carreira inteiramente vocacionada a esta temática. Não esquece quem o acompanhou e agradece o apoio da família e dos amigos, mas também da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa pelo suporte ao seu trabalho, dando-lhe as condições necessárias para contribuir como biólogo, professor e cidadão para a conservação deste animal

 

Professor Francisco Fonseca, presidente do Grupo Lobo, no seu gabinete na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. /MARTA ALMEIDA

Volvidos quase quarenta  anos da criação do Grupo Lobo, o que mudou na forma como a população se relaciona com o lobo e quais são os novos desafios?

Há uma diferença nítida do conhecimento que as pessoas têm sobre o lobo, em Portugal. Hoje, há uma procura muito grande de informação nova sobre este predador e uma mudança na forma como as pessoas o veem. Já ultrapassou aquela limitação de ser um animal ligado ao escuro, à noite, ao terror ou a uma ameaça para a vida das pessoas, para uma entidade biológica que tem, obviamente, o seu lugar nos ecossistemas da Península Ibérica. [O Lobo] já é aceite, desperta mais curiosidade do ponto de vista científico e cultural. Existem muitos aspetos ligados ao lobo que hoje em dia conhecemos (e que não conhecíamos ou não estavam tão divulgados) e isso faz com que se aceite melhor este predador. Registou-se uma evolução positiva, mas, por outro lado, ainda não tem o alcance que nós desejávamos. Continua a haver pessoas que não gostam do lobo e, desafortunadamente, persiste muito furtivismo, ou seja, abates ilegais de lobos no nosso país. Infelizmente, não temos dados para podermos fazer uma análise correta sobre este aspeto, mas quando estamos no terreno e falamos com as pessoas percebemos que matar lobos ainda é uma prática corrente, portanto, poderá ser, no nosso entender, a causa mais importante de que o lobo ainda não recuperou.

Qual é a atual distribuição do Lobo Ibérico em território nacional? 

O Lobo distribui-se a sul do rio Douro, desde a Serra da Arada até à zona de Salvaterra do Extremo, na Beira Baixa. Depois a norte do rio Douro vai desde a Serra do Alvão até à zona de Chaves e, depois, continua para leste até ao Parque Natural de Montesinho e Miranda do Douro. 

A sua população está neste momento estabilizada ou ainda se encontra em perigo conforme o Livro Vermelho dos Vertebrado de Portugal?

Temos vários cenários. Nalgumas zonas temos a população [do lobo] estável, por exemplo, na zona do Minho. Depois temos uma situação complicada em que a população está a decrescer nos últimos anos no distrito de Vila Real até à zona de Chaves e um pouco mais para leste. Temos uma situação estável no Parque Natural de Montesinho. Há sinais de que está a recuperar na zona de Miranda do Douro. A sul do rio Douro, o lobo está estável. Junto à fronteira, a sul do rio Douro, na zona da Raia, vem-se notando que o lobo está cada vez mais presente. O animal tem mais dificuldade em estabelecer-se, exatamente por causa da perseguição, por causa dos prejuízos que causam nos animais domésticos, mas cada vez se encontram mais registos da presença deste predador. Ele continua em perigo, porque a perseguição continua a existir. Se conseguíssemos diminuir o número de animais que, infelizmente, são abatidos ilegalmente, muito provavelmente iríamos ter uma evolução positiva da população. Como referi há pouco, em Vila Real a situação é complicada, encontramos cada vez menos sinais da presença do lobo. Os animais migrantes que vêm do núcleo da Peneda-Gerês chegam àquela região e podem estar a ser abatidos. É, além de tudo, um sorvedouro de animais migrantes que não conseguem contribuir para a recuperação lupina naquela região. O animal continua em perigo, porque persistem fatores que podem, a longo prazo, fazer diminuir a sua área de distribuição e a sua população.

 

Lobo Ibérico no Centro de Recuperação do Lobo Ibérico (CRLI). /OPHELIE VORGIEN

Por ser visto como uma ameaça aos rebanhos dos pastores, o lobo tem encontrado alguma inimizade entre os produtores pecuários. As demoras nas indemnizações aos produtores previstas na Lei n.º 90/88 agravam esta situação. O projeto Cães de Gado, iniciado em 1996, e ainda em curso, visa dar uma resposta a este problema. Em que consiste? Qual o impacto efetivo?

Um dos objetivos que o Grupo Lobo tem é ajudar os criadores de gado na prevenção dos ataques dos lobos. Diminuindo esses ataques, conseguimos diminuir a perseguição ao lobo. É uma forma prática de conservar ou contribuir para a conservação deste animal. O primeiro passo é inventariar os criadores que têm prejuízos e que estão interessados na nossa colaboração na prevenção. Depois desta inventariação, procuramos animais das raças de cães de gado que são o Castro Laboreiro, o Serra da Estrela e o Cão de Gado de Trás-os-Montes. Compramos e damos a esses pastores, a esses criadores de gado, e obviamente que a presença de esses animais vai fazer com que os lobos tenham mais dificuldade em atacar os rebanhos e isso diminui os prejuízos causados pelo lobo e aumenta a possibilidade de uma existência pacífica entre o homem e o lobo. Obviamente isto tudo passa pela aceitação da nossa colaboração por parte do criador de gado. Também damos o apoio na alimentação dos animais, o apoio veterinário, que dependem do orçamento que temos (por exemplo, podemos apoiar durante um ou dois anos)

 

Centro de Recuperação do Lobo Ibérico (CRLI) em Mafra. /MARTA ALMEIDA

Tive a oportunidade de estar com a bióloga Patrícia Nascimento no Centro de Recuperação do Lobo Ibérico (CRLI) em Mafra. Qual é o trabalho que se desenvolve no Centro?

O CRLI é uma atividade dentro do Grupo Lobo e tem por missão receber animais que não podem viver em liberdade, animais que estavam em cativeiro em áreas de exploração de outras entidades, quer nacionais quer estrangeiras e que, de alguma forma, já não querem os animais, ou já não têm condições para os ter. Assim, quando nos é solicitado, analisamos o pedido e, se tivermos condições, recebemos o lobo. O que é que nós lhes proporcionamos? Boas condições para o resto da sua vida e uma gestão de toda a nossa atividade no Centro em função do seu bem-estar. De alguma forma, eles são embaixadores dos lobos que estão em liberdade. Ou seja, o Centro tem essa função didática e de bem-estar para os animais, que nós, os seres humanos, lhes retiramos. Eles não podem ser libertados, porque já estão habituados ao Homem, e se fossem libertados infelizmente seriam abatidos. Já agora, um dos mitos que existe no nosso país e não só, é que se anda a libertar lobos. Na Europa nunca se libertaram lobos, os que existem agora são os lobos que existiam no passado, e não há projetos de reintrodução da espécie em lado nenhum. Nos Estados Unidos é uma situação diferente, mas é um mito moderno que os lobos agora são diferentes do antigamente, que se aproximam mais das aldeias. Eles sempre se aproximaram das povoações, portanto, não é nada de novo. Os lobos agora, repito, não resultam de reintroduções, de largadas de lobo

 

Patrícia Nascimento durante uma visita ao CRLI. /MARTA ALMEIDA

O que é que podemos fazer para ajudar a conservar o lobo?

Aprender, procurar conhecimento, porque assim é que nós podemos ultrapassar estes mitos. Conhecemos os lobos das histórias, mas não conhecemos a identidade biológica. É espetacular conhecer os seus hábitos, a relação que têm numa alcateia, que é muito diferente daquilo que nós pensamos. O conhecimento é o que mais poderá ajudar a conservar o lobo no nosso país.

A Lusorecursos Portugal Lithium teve um parecer favorável por parte da Comissão da Mina do Romano para iniciar uma exploração mista - a céu aberto e subterrânea - para extrair lítio. O relatório avança, ainda, que apenas a localização da mina foi chumbada por coincidir com o habitat de uma alcateia de Lobo Ibérico. De que forma pode a exploração colocar em perigo a conservação da alcateia do Leiranco de Lobo Ibérico? Qual é a distância mínima que se deveria guardar do habitat da alcateia? 

A existência da mina nesse local põe problemas sérios em relação a essa alcateia. Vai ter um impacto grande. A distância mínima deveria ser na altura da reprodução, estudos feitos em Portugal por colegas na região do Minho, viram que a distância mínima que é importante na época da reprodução, que é a época mais importante em termos de ciclo biológico anual dos lobos, é de um raio de 2Km, é isso que é importante que se mantenha e que se conserve para que não haja um impacto grande num grupo social, portanto numa alcateia. Se a mina estiver a menos de 2km poderá, a curto prazo, causar a deslocação da alcateia à procura de outro lugar para criar.

 


 

Comentários

Aurélio | March 13, 2023

Bom artigo!

Resposta TejoMag: Obrigado pelo seu comentário


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