A devoção ao antigo ícone Salus Populi Romani ficou conhecida na histórica bênção Urbi et Orbi na sexta-feira, 27 de março de 2020, quando o Papa Francisco rezou diante do ícone e da cruz de madeira do século XVI para interceder pelo fim da pandemia. O Papa ajoelha-se perante esta imagem de Nossa Senhora do Pópulo antes e depois da cada uma das suas viagens apostólicas. A pintura original de feição bizantina cuja autoria, segundo a tradição cristã, é atribuída a São Lucas, encontra-se há quatro séculos na capela da família Borghese em Roma, desde 1613, dentro da Basílica Papal de Santa Maria Maior.
O ícone mariano atravessa a história da cidade de Roma para interceder por epidemias como a peste e a cólera, também esteve presente antes da batalha de Lepanto no séc. XVI, bem como são-lhe atribuídos outros sinais milagrosos até chegar à devoção de Pio XII e outros Papas. Recentemente o antigo ícone foi submetido a restauro nos laboratórios dos Museus do Vaticano. Com o tempo, sujeito a retoques e compensações parciais, o painel já tinha beneficiado de um minucioso restauro em 1931, quando, coincidiu com o décimo quinto século de aniversário do Concílio de Éfeso, nesta altura foi retirada a prata doada por Paulo V em 1616, mas não das coroas e outras joias doadas por Gregório XVI em 1838, que permaneceram guardadas até 1988.
Posteriormente foram colocadas as oferendas do Papa Paulo V, no Museu anexo à Basílica. A centenária permanência da preciosa folha de prata, que deixava visíveis apenas os detalhes dos rostos e das mãos, conferiu à imagem a característica cor castanha que conservou até à limpeza recente. “Livre da repintura e do excesso de colas alteradas, que obscureceram ainda mais sua aparência, o ícone agora recuperou o esplendor cromático com o qual foi originalmente concebido”, segundo Guido Cornini, Responsável do Departamento de Arte do Museu do Vaticano.

Divulgação/Vatican News
Tradicionalmente, acredita-se que a imagem tenha origem em Jerusalém, onde teria sido pintada pelo próprio São Lucas, para depois aparecer em Roma com o Papa Sisto III (432-440) e ser doada à basílica que havia sido construída por seu antecessor Libério (352-366), mas a imagem na verdade mostra caracteres de estilo cronologicamente muito mais avançados. Pelo que o debate dos especialistas continua quanto à data do antigo ícone Salus Populi Romani. A iconografia da Mãe com o Filho é uma fusão o tipo grego de Odighitria (do grego hodeghètria "aquela que mostra o caminho", isto é, Cristo) com o da glykophilùsa ("que ama com doçura", o Mãe da ternura) referindo-se assim ao cânone da arte bizantina primitiva anterior à crise iconoclasta e orientando assim para uma alta datação do ícone (século VIII-IX), refere a diretora do Museu do Vaticano, Barbara Jatta, ao jornal L'Osservatore Romano. As novas tecnologias das pesquisas utilizadas no restauro e a perícia dos restauradores do Museu do Vaticano, permitiram resgatar o original e a realidade histórica da obra, ofuscada ao longo dos séculos por uma sobreposição de camadas de tintas e pela própria ação do tempo.

Pintura de Josefa d´Óbidos Nossa Senhora do Pópulo inspirada no ícone Salus Populi Romani.
A veneração a Nossa Senhora do Pópulo não é comum em Portugal, mas a igreja matriz das Caldas Rainha tem esta dedicação a Nossa Senhora A pintura de Nossa Senhora do Pópulo da pintora Josefa d Óbidos (1630-1684) século XVII inspira-se numa devoção que tem origem em Itália, com raízes no ícone Salus Populi Romani. A tela portuguesa Nossa Senhora do Pópulo é um óleo sobre tela, 110x76 cm, cerca de 1670-1680.
O quadro da Senhora do Pópulo faz parte da coleção de Pintura do Museu do Hospital e das Caldas da Rainha. Em 1483 D. Leonor funda o Hospital Termal Nossa Senhora do Pópulo e a par manda construir a Igreja dedicada também a Nossa Senhora do Pópulo. Este acontecimento deve-se à relação de amizade que D. Leonor tinha com o Cardeal Alpedrinha, seu conselheiro espiritual, e pároco da igreja Nossa Senhora do Pópulo, em Roma. O Cardeal deu “grande apoio a D. Leonor movendo influências em Roma para que o Hospital Termal e a Igreja fossem detentoras de regalias exclusivas, como a Bula Papal para a Igreja do Pópulo”, explica Dora Mendes, do núcleo de pintura do Museu do Hospital Termal.
“Alguns investigadores de arte portuguesa sustentam a ideia de que a pintura é uma encomenda da Rainha Maria Francisca Isabel de Saboia (1646 –1683) Rainha consorte de Portugal por casamento com D. Pedro II, quando ia a banhos às termas das Caldas”, explica Vítor Serrão, professor catedrático de história de arte e especialista em Josefa de Óbidos. Uma tela pouco comentada pelos historiadores de arte, no entanto é considerada “de rara beleza e de um significado teológico profundo, como é característico das obras de cariz cristão da pintora”, adianta, Margarida Varela, investigadora em pintura religiosa.
Imagens: COD Lamego
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