Teresa Quintela de Brito sobre sentença dos incêndios de Pedrógão Grande, em junho de 2017: “As autoridades podem e devem concentrar-se na averiguação das responsabilidades de pessoas individuais e coletivas"

Teresa Quintela de Brito, Professora de Direito Penal e Processual Penal da Universidade de Lisboa, em entrevista à TejoMag, comenta que devem ser averiguadas as causas dos incêndios e os incumprimentos que, anteriormente, contribuíram para as 66 mortes. Diz mesmo que a investigação “deveria ter sido tão dirigida” ao que se passou durante o combate aos incêndios, o que foi feito ou poderia ter sido feito e por quem no “teatro de operações”, como aos incumprimentos que precederam os incêndios.

Divulgação/FDUL


Incêndios de Pedrogão Grande

O Ministério Público (MP) interpôs recurso do acórdão que absolveu os 11 arguidos do processo para determinar eventuais responsabilidades criminais nos incêndios de Pedrógão Grande, em junho de 2017, anunciou a Procuradoria-Geral da República em novembro passado. Teresa Quintela de Brito, Professora de Direito Penal e Processual Penal da Universidade de Lisboa, em entrevista ao TejoMag, comenta que devem ser averiguadas as causas dos incêndios e os incumprimentos que, anteriormente, contribuíram para as 66 mortes. Diz mesmo que a investigação “deveria ter sido tão dirigida” ao que se passou durante o combate aos incêndios, o que foi feito ou poderia ter sido feito e por quem no “teatro de operações”, como aos incumprimentos que precederam os incêndios. Incumprimentos que lhe deram causa, potenciaram a respetiva deflagração e agravaram os seus efeitos.

Entre outros incumprimentos, o desrespeito pela legislação que impõe a inexistência de floresta e mato nos 10 metros adjacentes a cada um dos lados da faixa de rodagem, é um facto que “permite equacionar, de novo,” a realização do crime negligente de violação de regras que regulam o exercício de atividade profissional.

As falhas que causaram ou potenciaram a deflagração dos incêndios de Pedrogão Grande e as outras que, provavelmente, agravaram os seus efeitos, “devem ser investigadas”. Desde logo o incumprimento da legislação que impõe a limpeza de floresta e mato nos 10 metros adjacentes a cada um dos lados da faixa de rodagem, por determinar a “diminuição das condições de sobrevivência” das pessoas que, no momento dos incêndios, passavam pela Estrada Nacional n.º 236-1, que liga Castanheira de Pera a Figueiró dos Vinhos, revela a penalista. Pode equacionar-se a “responsabilidade pelo crime negligente de infração, no exercício da respetiva atividade profissional, de regras legais, regulamentares e técnicas que devem ser observadas no planeamento ou direção de instalação” ou na sua conservação. Quanto à causa de duas descargas elétricas na linha de média tensão Lousã-Pedrógão, que desencadearam os incêndios, “poderá ser ponderada a responsabilidade da empresa que geria esta linha, a antiga EDP Distribuição (atual E-REDES), bem como dos seus dirigentes, arguidos no processo, pelo crime qualificado de incêndio florestal negligente”, segundo a docente universitária. O crime qualificado justifica-se por “ter sido cometido com negligência grosseira e por ter criado perigo para a vida ou para a integridade física de outrem ou para bens patrimoniais alheios de valor elevado”, a docente refere o artigo 274.º, n.º 5 do Código Penal.

Da acusação e da decisão final, Teresa Quintela de Brito apenas conhece o que foi publicado nos jornais, mas admite que a investigação “deveria ter sido tão dirigida” ao que se passou durante o combate aos incêndios, o que foi feito ou poderia ter sido feito e por quem no “teatro de operações”, como aos incumprimentos que precederam os incêndios. “As falhas que lhes deram origem, potenciaram a sua deflagração e/ou co-contribuiram para a intensificação dos seus efeitos, a evitabilidade de tais incumprimentos e falhas, por parte de pessoas ou entidades, diretamente ou em virtude de competências institucionais de fiscalização e supervisão”, justifica. Para a “gravidade das consequências” materiais e humanas destes incêndios concorreram condições “climatéricas profundamente adversas” com elevadas temperaturas e ventos muito fortes, e um fenómeno piro-meteorológico extremo, raro e imprevisível, pela primeira vez registado em Portugal e no continente europeu. Reconhece que as severas condições meteorológicas e o referido fenómeno piro-meteorológico tornam “muito problemática a imputação” das mortes e ofensas à integridade física ocorridas à ação ou omissão de pessoas físicas determinadas.

No entanto, “as autoridades podem e devem concentrar-se na averiguação das responsabilidades de pessoas individuais e coletivas”, privadas e/ou públicas (incluindo os municípios de Pedrogão Grande e Castanheira de Pera) – e não só das pessoas físicas – pelas causas dos incêndios e pelos incumprimentos que, sendo anteriores às respetivas deflagrações, terão contribuído para agravar os danos humanos, ao determinarem a diminuição das condições de sobrevivência das pessoas que, no momento dos incêndios, passaram pela Estrada Nacional n.º 236-1, que liga Castanheira de Pera a Figueiró dos Vinhos.

A penalista cita ainda a Procuradora da República, Ana Mexia, que, nas suas alegações finais em julgamento, disse ter havido “omissão dos procedimentos elementares necessários à criação/manutenção da faixa de gestão de combustível" na linha de média tensão Lousã-Pedrógão.

Quanto à causa mais remota, mas potenciadora da deflagração dos incêndios: “à data dos incêndios o concelho de Pedrógão Grande ser um território com 72% da sua área ocupada por uma densa mancha florestal contínua, essencialmente constituída por povoamentos de pinheiros-bravos, eucaliptos e acácias, com elevada carga de combustível e altamente inflamáveis”. Aqui pode ponderar-se a responsabilidade pelo crime negligente de infração, no exercício da respetiva atividade profissional, de regras legais, regulamentares ou técnicas que devem ser observadas no planeamento ou direção de instalação, inclusive de uma floresta, e/ou na sua conservação.

“A eventual responsabilidade pela prática deste crime poderá imputar-se à então responsável pelo Gabinete Técnico Florestal do Município de Pedrogão Grande, enquanto dirigente do Município de Pedrogão Grande com autoridade para exercer o controlo da atividade de gestão florestal nesse município, mas também ao então Presidente da Câmara de Pedrógão Grande e, porventura, também ao então Vice-Presidente da Câmara de Pedrógão Grande”, enquanto titulares do órgão executivo colegial do Município, mais precisamente a Câmara Municipal. Os poderes-deveres destes últimos de supervisão e fiscalização das atividades do Gabinete Técnico Florestal do Município de Pedrogão Grande e, em especial, de fiscalização e supervisão do exercício das respetivas funções por parte da responsável por esse Gabinete permitem co-responsabilizá-los pelo cumprimento ou incumprimento das regras a observar no planeamento e direção da instalação de uma floresta e na conservação da mesma, refere a docente.

Todas estas pessoas físicas, “funcionários das empresas, autarcas e ex-autarcas”, segundo a Procuradora da República, Ana Mexia, nas suas alegações finais, terão sido responsáveis pela omissão dos "procedimentos elementares necessários à criação/manutenção da faixa de gestão de combustível", quer na linha de média tensão Lousã-Pedrógão, onde ocorreram duas descargas elétricas que desencadearam os incêndios, quer em estradas.

No entanto, refere a penalista, a responsabilidade pela prática deste crime pode pensar-se também quanto ao próprio município de Pedrogão Grande, em virtude da atuação, contrária aos respetivos deveres, da responsável pelo Gabinete Técnico Florestal do Município de Pedrogão Grande e dos titulares do seu órgão executivo, a Câmara Municipal, o respetivo presidente e vice-presidente à data da prática dos factos.

Já as investigações levadas a cabo na sequência dos incêndios revelaram outros incumprimentos. Sendo anteriores às respetivas deflagrações, poderão ter contribuído para elevar o número de mortos e feridos entre as pessoas que passaram na Estrada Nacional nº 236-1 no momento dos incêndios, por tais incumprimentos implicarem a diminuição das respetivas condições de sobrevivência. Refere-se ao desrespeito pela legislação que “impunha e impõe” a inexistência de floresta e mato nos 10 metros adjacentes a cada um dos lados da faixa de rodagem. Por ocasião dos incêndios do Pedrogão Grande, a área “sem floresta e mato” na lateral da Estrada Nacional n.º 236-1 era de apenas 5 metros em cada um dos lados. “Este facto permite equacionar, de novo, a realização do crime negligente de infração, no exercício da respetiva atividade profissional, de regras legais, regulamentares ou técnicas que devem ser observadas no planeamento, direção e execução de instalação ou na sua conservação, segundo o artigo 277.º, n.º 1 e n.º 5, do Código Penal”, justifica.

A concessionária da gestão de combustível tem responsabilidades?

A eventual responsabilidade por este crime poderá ser imputada, desde logo, à Ascendi Pinhal Interior, com a subconcessão rodoviária do Pinhal Interior, que integrava a Estrada Nacional n.º 236-1, onde ocorreu a maioria das mortes, e aos seus três funcionários, estes arguidos no processo. Mas não só, este outro incumprimento deve também ser imputado à então responsável pelo Gabinete Técnico Florestal do Município de Pedrogão Grande, ao então Presidente da Câmara de Pedrógão Grande e, porventura, também ao então Vice-Presidente da Câmara de Pedrógão Grande, ao próprio município de Pedrogão Grande, em virtude da atuação destes seus dirigentes, e, ainda, ao município de Castanheira de Pera. Explica a penalista: isto, tendo em conta os respetivos poderes-deveres de supervisão e fiscalização da “gestão de combustível” pelas concessionárias e/ou subconcessionárias rodoviárias do Pinhal Interior. Poderes-deveres que, recaindo sobre os municípios, respetivos presidentes de câmara e dirigentes com competências na área da gestão técnica das florestas, permitem responsabilizá-los pelo cumprimento ou incumprimento das regras legais, regulamentares ou técnicas que devem observar-se no planeamento, direção ou execução de uma instalação (florestal ou rodoviária), ou na sua conservação.

Quanto à indemnização aos familiares das vítimas a sentença não é um obstáculo à condenação dos arguidos em indemnização civil sempre que o respetivo pedido vier a revelar-se fundado, refere Teresa Quintela de Brito, invocando o artigo 377.º, n.º 1, do Código de Processo Penal. Além disso, o tribunal pode remeter as partes do pedido de indemnização civil para os tribunais civis “quando, como é o caso, as questões suscitadas por este pedido inviabilizarem uma decisão rigorosa ou forem suscetíveis de gerar incidentes que retardem intoleravelmente o processo penal”.

Numa nota enviada à agência Lusa pela Procuradoria-Geral da República, no passado mês de novembro, o Ministério Público “decidiu interpor recurso” para o Tribunal da Relação de Coimbra do acórdão proferido pelo Juízo Central Criminal de Leiria no denominado processo dos incêndios de Pedrógão Grande.

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