Trinta euros, a medida da nossa pobreza
No passado dia 24 de março, o governo apresentou mais um conjunto de medidas para “mitigar os efeitos da inflação”. De entre essas medidas, está o pagamento de 30€ mensais a determinado grupo de pessoas ao longo deste ano, mas entregues a cada 3 meses. É que 90€ são sempre mais vistosos de uma vez do que em tranches mensais de um terço...
Não iludindo a absoluta necessidade e diferença que este pequeno valor faz no orçamento de inúmeras pessoas, não deixa de ser curioso como o Estado, que teve a maior taxa de “lucros extraordinários” (que acusa outros de ter), devolve uma parte irrisória disso aos cidadãos.
Baixar impostos é que não! Que sacrilégio!
Em Portugal, é frequente as pessoas queixarem-se que recebem pouco, e que a culpa é dos patrões. Nalguns casos será. Mas a maioria dos trabalhadores desconhece a parcela que uma empresa tem de dispor e que entrega ao Estado por cada salário, além dos valores descontados ao trabalhador a título de contribuições deste para a segurança social e de IRS (quando aplicável). Resposta: 23,75%, além dos valores do trabalhador.
A seguir deixo dois exemplos, em que fica evidente o valor que corresponde a cada um dos intervenientes – trabalhador, empresa e Estado – em simulações para um trabalhador solteiro e sem filhos:
Comparem o líquido que o trabalhador recebe com o que fica para o Estado e com o que a empresa tem de dispor para poder pagar aquele salário.
Um outro exemplo: recentemente, fruto da minha atividade profissional, determinado diretor pediu para atribuir um prémio líquido de 500€. Tendo em conta a realidade salarial do premiado (cujo salário está acima dos 3.000€, portanto “rico”…), o valor bruto do prémio teve de ser de 950€, para o trabalhador receber os tais 500€. A diferença foi sugada nos impostos.
Perante este retrato, é fácil perceber quem é um dos grandes interessados pelo aumento continuado do salário mínimo nos últimos anos (com a ressalva que fiz acima sobre o tal apoio dos 30€ para as famílias).
É a iliteracia financeira da nossa sociedade que permite que se continuem a fazer políticas com os resultados que se conhecem. E que fique muito agradecido pelas migalhas.
Um país com uma sociedade informada, viva e dinâmica espera outros resultados e sabe que o bem-estar e riqueza são a consequência de acabar com os pobres, não de acabar com os ricos (ou o que neste país se designa assim). Um país desenvolvido tem de permitir aos cidadãos terem recursos para viver confortavelmente, aplicando o fruto do trabalho no seu bem-estar ou como bem entenderem, não contando euros todos os dias do mês.
A propriedade é uma condição de liberdade, dizia um professor que tive na faculdade. Pessoas pobres não são livres. Não podem sonhar, não conseguem viver. E, entre outras coisas, esta condição tem repercussões na saúde. Não é possível ter uma taxa de 30% de trabalhadores pobres!
O que é que está errado aqui? Aliado a esta situação, na minha opinião, está a questão demográfica. Uma sociedade envelhecida tem menos apetência pelo risco, pelo novo, pela alternativa. Deixa-se ficar pelo “poucochinho” e satisfaz-se com isso. E, nesse ponto, os políticos são o reflexo da sociedade: sem ambição, sem objectivos, acomodados ao dia-a-dia.
Como sugestão de leitura, deixo aqui dois livros que me abriram horizontes e fizeram questionar algumas coisas:
- Porque Falham as Nações, de Daron Acemoglu e James A. Robinson
- Utopias para Realistas, de Rutger Bregman